Luís de Almeida: Patriota, diplomata, amigo

Luís de Almeida: Patriota, diplomata, amigo

A notícia da morte de Luís de Almeida chegou-me por amigos angolanos e portugueses. Amigos comuns, não apenas na comunidade da língua e da cultura lusófonas, mas num companheirismo e numa cumplicidade que só são possíveis entre velhos amigos e velhos inimigos.

 Esse companheirismo e cumplicidade com ex-inimigos chega quando, desaparecidas ou suspensas as circunstâncias – políticas, ideológicas, religiosas – da inimizade, percebemos que temos, por vezes, mais afinidades com os que, sob bandeiras opostas, se arriscaram por outras causas, do que com aqueles que, sendo nossos correligionários, pouco deram e nada arriscaram.

 Foi o caso da minha amizade com o Ruben de Carvalho, membro do Comité Central do PCP, a partir de um programa de rádio “Radicais Livres”. Eu já conhecia, de tradição, o Embaixador Luís de Almeida. Conheci o seu irmão, Dr. António Augusto de Almeida, em Luanda, em 1974, sendo o General Silvino Silvério Marques Governador, o último governador português.

Ao Luís de Almeida conheci-o aqui em Lisboa, a partir de 2014, quando era representante de Angola na CPLP. Conhecemo-nos também num destes programas sobre temas políticos em que estivemos juntos com o Francisco Seixas da Costa.

 E daí nasceu uma boa relação, sobretudo pela franqueza e abertura com que falávamos dos nossos passados em campos diferentes e do que nos movia. E, coisa raríssima nas nossas idades, passámos a tratar-nos por tu.

O Luís de Almeida tinha uma longa história. Nascido na Gabela e filho de pai português e mãe angolana, foi conspirador e militante dos núcleos fundacionais do MPLA e teve depois uma longa carreira na informação e na diplomacia angolana, em postos de delicadeza e dificuldade.

 Foi o primeiro Embaixador de Angola em Paris, lugar que ocupou em 1979, num tempo em que o governo francês, além da relação oficial com Luanda, mantinha um apoio significativo à UNITA, através do SDECE, chefiado por Alexandre de Marenches.

E talvez porque os responsáveis angolanos o considerassem homem para lugares delicados, esteve depois, entre 1993 e 2011, representante do seu país em Marrocos, cujo rei, Hassan II, nos anos 90, era um grande apoiante de Jonas Savimbi.

Como alguns angolanos da sua geração – do partido no poder, da oposição ou independentes – era um homem de cultura, de experiência e com sentido de humor. Era um excelente narrador, sabia contar uma história, sabia rir das histórias dos outros, gostava da boa mesa e da boa conversa.

Nos anos da sua passagem por Lisboa demo-nos muito bem, juntando outros amigos: o Miguel Anacoreta Correia, o Agostinho Pereira de Miranda, o José Luís Andrade, o Carlos Silva Neves, o Vitorino Hossi; e amigos de Moçambique, como o Mário Machungo e o Óscar Monteiro, quando por cá passavam.

A última vez que estive com ele foi em Luanda, em Dezembro do ano passado. Jantámos num daqueles restaurantes da Ilha, junto ao mar. Estava connosco o Vitorino Hossi e falámos da política de cá e de lá e, mais uma vez, das nossas histórias na História comum e na História dividida.

A certa altura, levantou-se a questão de escrever – ou não – memórias. E Luís de Almeida teria muitas que contar desses seus anos de diplomacia complicada, mas parecia ter aquela inibição que eu bem percebo: é que, nestas coisas sensíveis, quem sabe não fala e são geralmente os que não sabem que contam as histórias das História. Tinha a qualidade principal para pensar e agir na vida pública e privada, nos negócios de Estado e no quotidiano familiar: saber pôrse na pele do outro, tentar perceber porque nos quer bem ou mal, o que lhe fizemos ou aos seus, como nos vê e porquê.

Em resumo, sem nunca pôr de lado valores e convicções, não era um fanático cego e tentava compreender na humanidade do outro o que o fizera seguir caminhos do seu. É um espírito que, depois de uma longa guerra civil, vejo hoje muito em Angola. E, lamentavelmente, é um espírito que está a ser destruído em Portugal por minorias pouco esclarecidas (ainda que cegamente se julguem e se proclamem “ultra-esclarecidas”).

O Luís de Almeida era inteligente, patriota, firme, mas lúcido nas convicções. Faz falta. Fazem falta homens assim. Que descanse em paz.

Jaime Nogueira Pinto

Historiador e Professor Universitário