Matabicho de garfo e a força da Magoga

Matabicho de garfo e a força da Magoga

A expressão Magoga que preenche esta crónica, é um neologismo utilizado em Angola, para designar a sandes mista de frango e verduras, que o cidadão angolano adoptou como primeira refeição do dia. É um negócio típico que sustenta muitas famílias desempregadas em Angola.

Todas as manhãs quando abre o frigorífico, a tia Marilú já sabe que destino dar aos restos de ‘pitéu’ do jantar. Para tirar a ‘kigila’ da cerveja da noite prepara para o matabicho do Ti Jaime a simpática magoga, que o mantém firme parte durante sua jornada de trabalho, como é normal na maioria dos lares angolanos e nas senhoras que tornaram a magoga, como fonte de rendimento. Ela sabe que o Ti Jaime não morre de amores pelo café com leite e pão com manteiga. Ou simplesmente “chá com pão”. Põe-lhe mal disposto e sem forças para trabalhar até às 17, a hora do seu regresso a casa. Uma técnica que segredou à vizinha para atraí-lo a casa sempre a horas, é prendê-lo pelo estômago.

Com uma magoga à Marilú , pela manhã e o calor da sua presença no resto do dia. Tia Marilú sentia-se realizada como esposa.

Do frigorífico sempre dilatado de produtos alimentares retira o que sobrou do guisado de frango do jantar, junta-lhe uma folha de alface em banho de vinagre, para matar as lagartas do legume e acrescenta à xandula que daí resulta uma coxa temperada com alho e vinagre, num pitéu, que fazia o Ti Jaime lembrar-se da canção “Meu amor da Rua 11” e, aquela, dos Demónios da Garoa, a “saudosa Maloca”, que passou a ser a declaração de amor à amada esposa. Para a tia Marilú virar “Saudosa Maloca”, na alma cancioneira do Ti Jaime era como degustar um sorvete em lua de mel… Um “amor sem igual”, como bem diz a canção do Dionísio Rocha, “sei que queres partir”.

Do seu farto bigode e fato macaco o Ti Jaime dava a impressão daqueles madiés dos filmes brasileiros. Moreno, tipo indiano, de bigode farfalhudo, assim de perfil era a cópia fiel de um José Staline negro, moreno, cabeçudo, até no ciúme.

Encontrou-lhe uma vez de “conversê” com o Paulito das Garotas, um “miúdo atrevido, que faz poesia de ouvido às mais velhas do bairro e ressuscitar o ciúme de Ti Jaime igual a uma pulga, atrás da orelha. Foi lá tirar as dúvidas, com os olhos revirados de raiva gaguejou ao atrevido: “Eu sou capaz de te arrancar os too…mates, com essa mão, se te atreves a mexer na minha…. muxima uámi” (meu amor). Era assim a alma poética do “Jaimito”, na percepção da kota Marilú. Era o sinal de que a almofada à noite ia gravar todas as conversas de amor. Se fosse branco, Paulito das Garotas veria a cor vermelha do rosto ciumento de Ti Jaime e reagiu na maior das calmas:

– Kota Jai, não é isso que estás a pensar. A tua kota é minha avó. E eu trouxe umas coisas (calças de ganga de marca), que ela vai-te mostrar e vais gostar. Meu kota, o segredo no ouvido dela, era só para pedir um coche da tua magoga, mais velho. Eu quero ser assim como o kota, para mostrar as minhas capacidades ngonbirengas. Quero ter esse bigode farfalhudo. Essa bunda de rico e esses olhos grossos de gajaja, meu kota. Qual é o segredo para ser como o kota?

– O quê, seu fedelho da tuji. É isso que andas a falar à minha mulher no ouvido, seu sacana de merda. Veja lá, hein? Eu parto-te os cornos.

– E engolindo em seco retomou as suas lides mecânicas, à volta de um Dodge velho, carro americano, que já passou em várias mãos e teimava em não dar sinais de vitalidade. Ora que chatice!

À noite Jaimito tornou-se romântico. Perfumado pela poesia, tirou a limpo o gesto suspeito de Paulito das Garotas voltou a manifestar os seus dotes poéticos aos ouvidos da Ti Marilú, que, dengosa, perfumada, no seu “baby doll” accionou a veia procriadora de “Jaimito”, o Staline do amor, que naquela noite, lançou os alicerces genéticos do menino que quando veio ao mundo nove meses depois, não hesitou em apelidar- lhe de Jaimito da Magoga, em homenagem às saborosas magogas da tia Marilú, que mantinham por muitos anos, a força e a essência do homem viril, que era o marido, ao produzir 12 membros de uma prole, que juntou o casal por uma vida inteira. Imitem o Jaimito com a magoga de manhã e a poesia à noite, numa cama de colchão de sumaúma!

André Pinto