Telefone, pipocas e um pouco de Paris

Telefone, pipocas e um pouco de Paris

Ontem tive um dia diferente. Bem, parte dele. Fiquei sem telefone e voltei a sentir a liberdade de outros tempos, sem ter um aparelho electrónico permanentemente colado à orelha. Quem me dera ver-me livre dele de uma vez por todas. Mas aí vem o mundo dizer que preciso de estar contactável, que isto, que aquilo. Perdemos a noção da felicidade, da liberdade. Tive de arranjar outro e voltar a ser escravo da máquina. Nas voltas que dei por Luanda para me voltar a ligar (escravo às vezes foge da liberdade), baixei os vidros do carro e tive como companhia o ronco dos geradores, em prédios, lojas, etc. Almocei numa casa nova na Rainha Ginga, “Delícias de Paris”, bom aspecto. Não sou crítico culinário e por isso não me meto a falar sobre o mérito da cozinha. Mas reparei num casal que me pareceu apaixonado, falavam baixo, os dois. Aliás, estranhamente, não havia barulho naquela sala. Dava para pensar, observar e ouvir o francês de alguns presentes. Os empregados da casa são corteses e solícitos. A rainha Ginga, talvez a rua com mais dinheiro de Angola, tem, no entanto, alguns focos de lixo, o que torna as moscas clientes dos restaurantes. Notei isso e ri-me sozinho. Lembrei-me que nos nossos restaurantes fazemos sempre o gesto de espanta moscas. Isto está a tornar-se numa divisa nacional. Imaginei alguém a fazer charme a uma mulher e ter de fazer, também, aquele gesto, se aparecer uma mosca e ele a espantá-la no exacto momento em que a sua amada se inclina para dizer um “aceito” ou “te amo”, baixinho, o desastre está consumado, sai uma bofetada bem cheia. Ya, a nossa vida é um filme, por isso os meninos vendem pipocas na rua.